O sistema de transmissão no Brasil está passando por uma grande mudança ao integrar, de 3 a 5 GW ao ano, de nova energia renovável na próxima década, visto que a rede atual se encontra com capacidade limitada de integrar mais geração. Neste artigo, nosso Gerente Comercial para o Brasil e América do Sul, André Priolli, reflete sobre a utilização de FACTS no país até o momento e compartilha suas percepções sobre o evento XIX CIGRE ERIAC, ocorrido em maio, em Foz do Iguaçu.
Recentemente participei do XIX ERIAC com colegas da Smart Wires e pudemos apresentar alguns trabalhos técnicos para a audiência do evento, bem como reencontrar líderes do setor. Durante o encontro, houve um importante sentimento positivo em relação ao progresso de nossa indústria, enquanto especialistas do Brasil, América Latina, e também Espanha e Portugal, apresentaram seus trabalhos técnicos, com aprendizados, realizações e também visões para o futuro do setor elétrico, em especial dos sistemas de potência. Entre diversos temas, foi possível observar um maior volume de trabalhos técnicos da disciplina de FACTS – Flexible AC Transmission Systems – não somente relacionados aos comitês de Eletrônica de Potência e Elos CC (CE B4), mas também no âmbito do comitê de Desenvolvimento de Sistemas Elétricos e Economia (CE C1), relacionado a benefícios destas tecnologias inovadoras com os cenários atual e futuro dos sistemas de potência, e seu importante papel para viabilizar a transição energética. Eu trabalho com tecnologias FACTS desde 2018 e para mim foi especialmente importante observar e participar deste novo momento.
Na região da RIAC, que inclui países da América Latina e região Ibérica, as tecnologias FACTS encontram-se em diferentes estágios de maturidade e aplicações, e isso foi notável nas apresentações. Eu pude participar de uma apresentação da REE -Rede Elétrica de Espanha (Operador do Sistema de Transmissão da Espanha), que expôs um claro processo de planejamento para avaliar diferentes alternativas de otimização do sistema, na qual tecnologias de otimização de rede e FACTS são consideradas prioritárias em relação a uma nova infraestrutura ‘tradicional’, devido ao tempo de execução e impacto ambiental. Em outras sessões, membros de países como Colombia, apresentaram casos de uso prático, nos quais tecnologias FACTS estão sendo aplicadas em complemento à nova infraestrutura, provendo benefícios no cenário de curto e longo prazo.
No Brasil, durante 2010 e2018, houve uma onda de recomendações de projetos com tecnologias FACTS, utilizados para conectar nova geração em áreas remotas do país, bem como para estabilização da rede. No entanto, é claro que atualmente estamos em um ponto de virada para a utilização massiva de tecnologias desse tipo, devido à necessidade de integrar de forma cada vez mais rápida as renováveis ao sistema.
O aumento da geração solar e eólica no Brasil
Durante a última década, de acordo com dados da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – a capacidade instalada de fontes solares e eólicas no Brasil cresceu de 2 GW em 2012 para 35 GW em Maio de 2023[1]. Nos primeiros anos, o crescimento se deu principalmente por leilões de energia no mercado regulado, com um empurrão do governo para diversificação da matriz energética, e mais recentemente pelo seu diferencial competitivo, sendo liderado principalmente pelas contratações no mercado livre de PPAs privados entre grandes consumidores e desenvolvedores renováveis. Até 2032, de acordo com estimativas da EPE – Empresa de Pesquisa Energética, a expansão de renováveis no Nordeste do país unicamente, ocorrerá em um ritmo entre 3 e 5 GW ao ano, resultando em uma capacidade instalada entre 57 GW e 72 GW, transformando esta região em um dos principais polos de energia renovável do mundo. No entanto, para integrar esta nova energia à rede e transmiti-la aos centros de demanda no sudeste do país, uma grande expansão do sistema será necessária.
De acordo com os estudos de planejamento concluídos pela EPE em 2022, cerca de 15.000 km de novas linhas de transmissão e 16 novas subestações serão construídas até 2028, conforme representado na figura[1] à esquerda. Isso representa uma expansão de aproximadamente 8% no total de linhas de transmissão existentes no Sistema Interligado Nacional (SIN), primordialmente para habilitar a conexão e transporte de nova geração renovável. No entanto, construir esta nova infraestrutura é um desafio à parte e infelizmente não se pode negligenciar o risco de atraso, já que dependem de complexos processos ambientais, alta complexidade técnica e necessidade de mão de obra capacitada para construí-las, um recurso cada vez mais concorrido.
De acordo com dados da ANEEL, no Nordeste do Brasil, 9 GW de projetos solares e eólicos já estão em construção e outros 75 GW já apresentaram seu registro de outorga e solicitam acesso à rede e encontram-se na fila para uma conexão até 2026. Importante observar que estes dados são praticamente equivalentes ao esperado pela EPE, no cenário otimista, para todo o horizonte até 2032. Essa importante diferença é fruto, principalmente de uma lei de 2021 que estabelece fim do desconto da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) para projetos de fonte solar que solicitarem acesso até Março de 2022. De acordo com o mercado, esta lei resultou na chamada “Corrida do Ouro”, na qual desenvolvedores anteciparam seus pedidos de outorga e acesso ao sistema, buscando garantir o subsídio.
Em contrapartida, analisando dados do mapa de margem do ONS – Operador Nacional do Sistema, a capacidade de escoamento remanescente em barramentos do nordeste, no horizonte entre 2023 e 2026, é próxima a zero. Para mitigar este descompasso, as autoridades brasileiras estão considerando a realização de um Procedimento Competitivo de Margem (PCM) para poder priorizar projetos renováveis nesta zona e substituir o atual critério de fila por ordem de chegada. É esperado que este processo possa reduzir de forma significante a quantidade de projetos na fila e também remover projetos pouco maduros que realizaram seus pedidos de outorga devido ao fim do subsidio da TUST. No entanto, é possível que o PCM ainda não seja suficiente para atender a quantidade de projetos que os desenvolvedores possuem em seu pipeline.
A pergunta em aberto é como conectar as novas fontes de geração renovável a rede, se não há capacidade de escoamento até 2027 (ou mais?)?
Na realidade, o sistema de transmissão como um todo não está operando tão próximo ao seu limite. Uma pequena quantidade de linhas de transmissão e elementos críticos atuarão como gargalo que finalmente limitam a capacidade do sistema como um todo e diminuem a possibilidade de conectar novas fontes renováveis, mesmo que exista capacidade remanescente em outros pontos do sistema.
Dispositivos FACTS que controlam o fluxo de potência e/ou providenciam estabilização do sistema, podem remover esses gargalos, adicionar a requerida flexibilidade e suportar à integração de renováveis em maior escala. Esta “capacidade adicional” já existente na rede de transmissão, irá reduzir a disparidade entre a infraestrutura de longo prazo em construção e a necessidade imediata de margem de escoamento, que a introdução de nova energia renovável requer no Nordeste do Brasil.
Ao aplicar tecnologias FACTS inovadoras, como o nosso Compensador Estático Síncrono Série modular – Static Synchronous Series Compensators (m-SSSCs) – SmartValve – o fluxo de potência pode ser redirecionado de barramentos ou linhas de transmissão congestionadas para outras com capacidade remanescente, liberando capacidade de transmissão de forma rápida, ao mesmo tempo que irá incrementar a segurança e resiliência sistêmica. SmartValve pavimenta o futuro para FACTS conectados em série com um design modular, sem necessidade de transformadores, e com a flexibilidade para ser uma solução de valor agregado ao sistema.
Com seu design modular e estândar, o m-SSSC é diferente de outros FACTS feitos sob medida e imune a mudanças sistêmicas futuras, pois pode ser expandido, relocalizado, mesmo que em diferentes níveis de tensão, conforme o sistema evoluir, sendo uma solução livre de arrependimentos para o planejamento. Rápidos períodos de fabricação e instalação, alta disponibilidade, capacidade de prover serviços de forma dinâmica e mínimo impacto ambiental, também contribuem para que o m-SSSC seja implementado de forma imediata e não somente após a conclusão da infraestrutura de longo prazo.
Acelerando conexão de renováveis com m-SSSCs
Nós estamos ativamente trabalhando com os tomadores de decisão do Brasil, que atualmente estão considerando a utilização de FACTS distribuidor para resolver sobrecargas e otimizar a operação do sistema, sem a necessidade de construir novas linhas de transmissão ou até mesmo recondutorar ou reconstruir linhas de transmissão existentes.
Com desenvolvedores renováveis, estamos avaliando alternativas para reduzir suas restrições operativas (constrained-off) em parques existentes, bem como avaliando formas criativas de poder garantir ou antecipar a conexão de seus projetos, dado o descompasso entre os compromissos dos PPAs assinados com a capacidade de escoamento remanescente atualmente.
Outro exemplo, uma concessionária no estado de São Paulo decidiu avaliar soluções alternativas para solucionar um problema de sobrecarga em regime normal (N) ou contingência (N-1) de uma linha de 138kV. A solução original considerava a reconstrução da LT para uma capacidade maior, no entanto sua dificuldade de execução representaria uma reconstrução que somente estaria pronta no 3º trimestre de 2026. Enquanto isso, a expansão do Montante do Uso Sistema de Transmissão (MUST) estaria limitado nesta zona, podendo ser um gargalo para o desenvolvimento energético da região.
A análise demonstrou que utilizando m-SSSCs para redistribuir o fluxo de potência poderia solucionar as sobrecargas, entregando benefícios da ordem de 15% maiores em relação a linha reconstruída, executada aproximadamente 2 anos antes do prazo da alternativa. O rápido prazo de entrega e instalação, bem como flexibilidade operativa para escalar ou relocalizar os dispositivos, e mínimo impacto no meio ambiente, uma vez que os dispositivos podem ser instalados dentro dos limites do terreno da subestação, também contribuíram para que o m-SSSCs fosse uma interessante opção para o cliente.
Crescimento futuro de tecnologias FACTS no Brasil e além
Durante a cerimônia de encerramento do XIX ERIAC, os comitês de estudos C1 e B4 ressaltaram a utilização em grande escala de soluções FACTS, especialmente a tecnologia SSSC, para otimizar os recursos existentes nos sistemas de potência. Com uma estratégia de crescimento em multiplos mercados na América Central e do Sul, incluindo Brasil e Colombia, a Smart Wires abriu, no último ano, um escritório em Medellín, Colômbia, para ser um polo operacional e também suportar a crescente demanda de clientes em nossa região.
Tecnologias FACTS oferecem um enorme potencial para suportar a transição energética em nossa região. Buscarei sempre colaborar e discutir ideias com clientes e partes interessadas com o objetivo de avançar no uso de tecnologias inovadoras no futuro.
Contributing expert
André é Gerente Comercial para América do Sul na Smart Wires, liderando o desenvolvimento de mercados novos e existentes para a empresa. Em colaboração com clientes da região, ele e seu time trabalham com clientes em formas de otimizar a rede existente através da aplicação de soluções inovadoras com FACTS modulares, avaliando cada projeto individualmente, sempre de forma colaborativa com as equipes e experiência do cliente em seu sistema.
Antes de unir-se à Smart Wires, André trabalhou por 10 anos na Siemens Energy, sendo sua última posição como gerente de vendas para América Latina.